A
Hungria, sua história e seus mistérios, já povoara os meus sonhos de criança,
impressionado que fui – e fã ardoroso –, da obra-prima de Ferenc Molnár “Os
meninos da rua Paulo”.
Nomes como Nemecsek,
Tsonacosh, Chico Áts e o sagrado solo da comprida avenida Üllo... “que não acabava mais”... já
prenunciavam aquele idioma incompreensível – que agora pude ouvir in loco –, como bem definiu Chico Buarque, “o
único que o Diabo respeita”.
Eslovaco,
o estrangeiro; o doce de nougat e o jogo de péla invadiram a minha
mente infantil, que nem bem nem mal compreendia as complicadas questões da guerra fria
no leste europeu, com suas cidades tristes, escuras e vazias de gente, de cores, de sons.
Budapest,
em minha vida, 40 anos depois de lido o romance, enche-me de um outro
sentimento invulgar. Um misto de resistência e teimosia permanentes, de “volta
por cima”. Lenta, centenária, milenar. Quiseram os deuses que os húngaros
conservassem seu torrão natal e sua língua materna única em meio a tantas na
Europa central – eslavas, latinas, cirílicas...
Pouco
mais de dez anos de moeda comum e os húngaros relutam em adotar o Euro, e
permanecem com o dinheiro dos
tempos de Molnár, o poético Florim. Bom para eles.
E eu fico pensando se o Brasil não teria algo a aprender com a
distante Hungria. Relutar quanto à dominação cultural norte-americana, tanto
quanto resistimos aos holandeses, franceses e espanhóis de outrora, permanecendo
“inteiros” e brasileiros, numa só nação-continente, falando português em meio a castelhanos.
Relutar culturalmente, financeira e economicamente. Relutar estratégica
e taticamente. Fazer “outra coisa”, de “outro jeito”. Meio-português,
meio-italiano, meio-árabe, meio-libanês, meio-japonês, meio-africano e
meio-índio: 7 matrizes para não morrer. E viver 7 vidas. Não sucumbir à
imbecilização que nos querem imputar os media
e os políticos profissionais com seus partidos de belas fachadas e espúrios acordos
com a nossa cínica “elite”.
Fazer de outro modo. Ser como uma Hungria milenar, resistente no coração da Europa, como aqueles meninos da rua Paulo defendiam seu gründ, seu lugar – se preciso fosse, com a vida.
Fazer de outro modo. Ser como uma Hungria milenar, resistente no coração da Europa, como aqueles meninos da rua Paulo defendiam seu gründ, seu lugar – se preciso fosse, com a vida.