quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Desserviço global

Eles fizeram de novo...

E não é que o jornal O Globo, do alto de sua audiência (cativa... no sentido escravo, pois que sem outra opção na praça do Rio de Janeiro), fez de novo uma ação de má educação a seus leitores, principalmente aqueles que não o assinam ou compram, mas o "assistem" pendurados nas bancas?

Refiro-me à manchete de primeira página "Auto-suficiência em marketing", publicada na edição de 3 de setembro de 2008 e que se segue à cobertura da primeira extração (simbólica) de petróleo de um poço na camada pré-sal, no litoral do Espírito Santo.

E encabeçando a página 23, a coisa piora: "De muitas ações, restou apenas o marketing". Ai, ai.

Papa da Administração, Peter Drucker (1909-2005) não escreveu muito sobre marketing. Só o essencial: "marketing é muito mais que venda ou propaganda. É o negócio todo visto do ponto de vista do cliente – não é um mero departamento. Sua visão deve perpassar toda a organização".

Para William Stanton, outro estudioso pioneiro, o marketing consiste em "um sistema global de atividades de negócios integradas para planejar, atribuir preço, promover e distribuir produtos e serviços que satisfaçam necessidades de clientes atuais e potenciais".

Marketing é, pois, sinônimo de negócio

A palavra marketing só, desacompanhada, tem pouco ou nenhum sentido. Ganhará entendimento quando acompanhada: marketing automobilístico, marketing farmacêutico, marketing financeiro, marketing societal, marketing cultural ou, até, marketing político-eleitoral. (E no Brasil, como em outros países, há, ainda, uma dificuldade adicional; o termo não ganhou tradução do inglês).

Como ensinava o saudoso Manoel Maria de Vasconcellos, pioneiro do marketing no país), verdadeiramente o que há, no capitalismo, em oposição à economia planificada do socialismo, é um espírito de marketing - a melhor tradução que encontrou para o termo original marketing concept, traduzido, no nascedouro da atividade no Brasil, pelos idos dos anos 1950, como "produzir o que vende em vez de vender o que se produz". Uma atividade completa, pois, da pesquisa de mercado aos serviços pós-venda, faz-se marketing. Muito mais uma visão de desenvolvimento do que mera visão de propaganda ou de vendas.

Dadas as explicações técnicas, às perguntas

Por que será que uma empresa com o poder, a tecnologia e as melhores práticas de marketing, faz um tão mau uso desse termo? Não será por desconhecimento.

Por que não dizer "Auto-suficiência em propaganda" ou "Auto-suficiência em promoção" ou, ainda, e talvez mais correto "Auto-suficiência em assessoria de imprensa"?

Talvez porque O Globo seja um veículo da "intocável" imprensa. (Intocável porque poderosa, não porque ilibada). Talvez porque O Globo, assim como qualquer jornal do planeta, sobreviva unicamente às custas da propaganda de seus anunciantes - pois é sabido que venda em bancas e assinaturas não sustentam um diário desse porte.

E quanto dinheiro não foi gasto pela própria Petrobras, enchendo as burras de O Globo e de jornais, revistas e TVs pelo país todo, para fazer anúncios e fazer falar - via coleguinhas acocorados nas assessorias - sobre a auto-suficiência, em 2006?

Já havia abordado o tema da má vontade com relação ao termo "marketing" em matéria anterior, de 7 de agosto de 2007, neste blog, sob o título O meio e a mensagem.

É lamentável, ainda mais vindo de quem sobrevive do bom marketing realizado pelas organizações anunciantes (e através de suas competentes agências de propaganda), que um veículo com a penetração e a influência que O Globo desfruta, desfazer-se de maneira tão vil da atividade que dá sustentação a toda a mídia.

Sem dúvida um enorme desserviço ao avanço da sociedade fluminense. Talvez por isso - um verdadeiro tiro no pé -, entre outros fatores, é que não só as empresas anunciantes, assim como as agências, venham mudando-se, paulatinamente e sempre, para São Paulo, deixando à míngua de verbas, de profissionais e de talento a praça do Rio de Janeiro no setor da comunicação. Até a Rede Globo já opera mais, aí sim, o seu marketing, de São Paulo, embora continue fazendo o tipo "emissora do Jardim Botânico".