sábado, 22 de dezembro de 2007

Dezembro de 2007: MASP ou Muito Absurdo em São Paulo

Quatro horas depois - ou seja, uma eternidade e meia após o ocorrido - os (péssimos) administradores do Museu de Arte de São Paulo chamaram a polícia para relatar um furto.

Não um furto qualquer, mas a subtração, roubo, ou até seqüestro - como preferem alguns -, de duas obras de arte cujo valor estimado gira em torno de 100 milhões de reais.

Um Portinari que todos conhecemos dos livros de História do Brasil e um Picasso da fase azul, verdadeira jóia de coroa, "perdida" abaixo da linha do Equador.

O que será que dá para fazer em quatro horas?

Alguns palpites:

(a) ficar engarrafado na Marginal do Tietê, debaixo de chuva;
(b) fazer umas comprinhas na Oscar Freire;
(c) conhecer um dos cinco diligentes diretores da ANAC perambulando pelas filas do Tom Jobim;
(d) ir de carro até o Rio;
(e) voar de teco-teco para fora do país.

Preferidas, acho, dos meliantes: alternativas "d" e "e".

Crise? Que crise?

A imprensa vem dando conta, há mais de uma década, da situação crítica que paira sobre o belo prédio de Lina Bo Bardi no altiplano da Nove de Julho. Até a energia já foi cortada por falta de pagamento!

O MASP completa 60 anos e nada há para comemorar. Em poucos meses, pelo menos do que ficamos sabendo, três tentativas de assalto - a última bem sucedida. Como num filme, os ladrões, que algum gênio, na TV, desses que a mídia pauta quando quer ouvir a "intelligentsia" patropi, chamou de "pés-de-chinelo", testaram suas estratégias. Cinematograficamente, deram aulas de simplicidade: primeiro renderam um vigia (se é que um sujeito "terceirizado", recebendo salário de fome pode vigiar alguma coisa, senão o próprio estômago); depois, mais sofisticados, tentaram com maçarico - deram n'água. Aí, então, a idéia genial: um macaco hidráulico! E proveram imagens de fazer babar um Woody Allen: câmara lenta (e suja) em preto-e-branco (na melhor tradição do cineasta novaiorquino), trilha sonora minimalista de carros passando e conversa ao longe (dos "seguranças" fazendo chacrinha no subsolo) e vultos sem máscara, porém irreconhecíveis pela (falta de) qualidade do equipamento "de vigilância".

Eu só queria saber...

Quantos fulanos faziam a "segurança"? Meia dúzia? E entre 5:09 e 5:12 h estariam fazendo a "troca da guarda"? Quer dizer que numa mudança de turno, ao invés de um indivíduo render o outro em seu posto, ambos vão fazer convescote alhures? Está mal a nossa coleção de Degas.

Como disse um dos "guardas" ouvidos: - o alarme estava desligado porque "vivia disparando"... ah, bom.

Patrocínio: PIB paulista

O museu que foi erguido e recheado pela benemerência (claro que com algum "incentivo" impublicável do Chatô) dos industriais paulistas, e que ainda hoje vive de promover eventozinhos para esses mesmos industriais, esmerando-se em produzir gigantescos banners, imprimir luxuosos books, e distribuir disputados gadgets e outras bugigangas "culturais" que tais, não investindo no essencial, deteriora-se. Prédio e instituição, ano após ano, assistem a gestões incompetentes e nada transparentes.

Podíamos fazer o seguinte raciocínio: o museu é privado, mas a cada aporte feito por governos (aliás, o último aporte da prefeitura de São Paulo, pela ínfima quantia, é de fazer rir) e através de leis de incentivo fiscal, deveria ir tornando-se público. A cada real ali colocado, proveniente dos impostos que todos pagamos: I.R., I.C.M.S., I.S.S., I.P.T.U., deveria o estatuto do museu sofrer uma alteração contratual, consignando menos participação dos "mantenedores institucionais" e mais da população de contribuintes - a qual, acredito, pelos anos passados, já deveria estar na condição de "acionista majoritária" do MASP. Teríamos, então, pelo menos, mais transparência na gestão.

Arvoram-se os marketing managers em promover todo o tipo de factóide em cima da imagem do MASP, de sua sede e de seu acervo. Mas vá perguntar aos seus producers, se esses patrocinadores permitem que se destine verba para melhorar banheiros, contratar melhor e mais sofisticada vigilância, aquisição de equipamento de segurança ou criação de um corpo de pesquisadores e estagiários remunerados para fazer o museu de fato crescer e não só ser consumido por festas e mais festas fechadas e dirigidas para um grupelho de sanguessugas engalanados? A resposta é um invariável NÃO. Os valores devem ser milimetricamente contados e destinados ao plano de mídia - espontânea e muito bem paga, à emissão de convites e catálogos e até à contratação dessa ou daquela "celebridade" para o dia D.

Pietro Maria Bardi, in memoriam

Precisamos de competência, ou, como disse um meu mestre da FGV: "a promoção e a proteção da cultura, através de esforços públicos e privados, diretos ou indiretos, necessita, complementarmente, de boa gestão; de boa gestão de marketing, do marketing na cultura".

No dia em que a arte e a cultura tiverem os mesmos cuidados que a sede e a imagem da sua vizinha FIESP, teremos chegado não ao tão sonhado investment grade mas a um mero e civilizado educated grade, tanto de patrões e políticos, como de trabalhadores e cidadãos comuns - que numa tarde qualquer resolvam subir as escadas do Assis Chateaubriand e fruir o que houver restado da incúria desse tempo presente.