quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Quem fiscaliza o fiscal? ou "Eu quero uma casa no campo...".

>

Vivemos no país do "tudo vai dar certo". E confiamos. Em tudo e em todos, apesar dos erros e "malfeitos" que estampam todos os dias as primeiras páginas.

Confiamos na imprensa, que pensamos isenta, mas ela entrega sua condução ao capital, sempre tendencioso.

Confiamos na propaganda. Tanto que compramos o que nos oferecem. Mas caímos nos call centers, nas ouvidorias e nos juizados de pequenas – e enormes – causas pelo menos uma vez por ano.

Confiamos que contas de energia, telefone, água e gás estejam certas, de acordo com o que consumimos, mas as agências reguladoras que deviam fiscalizar as empresas só as multam. E estas não pagam, recorrem.

Confiamos no síndico, no condomínio, no conselho fiscal, na secretaria de obras, na diretoria de urbanismo, mas nosso vizinho de cima continua construindo uma piscina digna de Mubarak.

Confiamos que autoridades municipais vistoriam prédios – como os que desabaram no Rio.

Confiamos que a água que nos cai na cabeça todas as manhãs, no banho, é limpa. E sorvemos a água dos bebedouros da escola e do cinema, confiando que alguém higieniza a cisterna semestralmente...

Confiamos que guardas municipais existem para colaborar com a cidadania, embora eles se encubram atrás do poste para multar, "arrecadando" covardemente.

Confiamos no Departamento de Trânsito, em seu mister de conceder – ou não – licença para dirigir. E morremos atropelados na próxima esquina.

Vamos às Diversões Públicas para relaxar e acabamos a noite no pronto-socorro ou na delegacia registrando o enésimo B. O.

Acreditamos na Constituição, mas há leis que aqui "não pegam".

Aplaudimos os carros movidos a gás, mas não temos as tarifas de táxi reduzidas e não sabemos se aquele que estamos "tripulando" neste exato momento está equipado com um botijão de gás de cozinha.

Já vibraramos com o Pró-alcool, mas os usineiros, de repente, sempre passam a preferir produzir açucar para exportação. E babamos - e disputamos! - um tal de "petróleo da camada pré-sal", esquecendo o pioneirismo de ontem na produção de biocombustíveis.

Aliás, óleo vaza pela enésima vez no Paraíba - um acidente... - e na Bacia de Campos. E retumbamos multas de centos de milhões de reais que, na verdade, custam às companhias algumas poucas horas de produção.

Confiamos nas Autoridades, mas elas vendem alvarás para a siderúrgica ultrapassada e proibida em seu país de origem - e esta, por sua vez, assim como as confecções de Copacabana e da Rua 25 de março -, trazem chineses em navios "negreiros" do século XXI para trabalhar, ilegais.

Confiamos nosso carro ao flanelinha porque, afinal, ele podia estar roubando, matando...

Esperamos autoridade da Saúde Pública, mas isto não impediu que se produzisse, comercializasse e implantasse próteses fabricadas com silicone impróprio.

Cremos nas matérias-primas e no rigor dos donos e atendentes de bares e lanchonetes. Quanta imprudência!

E compramos no camelô - um trabalhador! - as mercadorias roubadas no assalto de anteontem que parou a Dutra... para outro arrastão.

Financiamos arsenais e guerreiros do tráfico. "Mas eu só curto um baseadinho com o pessoal... ". E estragamos a cabeça das nossas crianças com a comunicação de massa mais desregulamentada do mundo - "Ah... papais e mamães podem mudar de canal!".

Confiamos nas companhias aéreas, mas elas falham. Humana e mecanicamente.

Confiamos que juízes ganham bem para exercer seu ofício. Nem imaginamos suas supremas verbas extra-salários, como as do TJ do Rio.

Devíamos confiar em policiais, mas mais os tememos. Esperamos a verdade dos religiosos. Mas eles também mentem.

Confiamos, nós e nossos filhos, na sigla MEC, esquecendo que este ministério perdeu a cultura há muito tempo. E com ela, o pudor de seus fundadores.

E adoramos que os garotos consigam estágios, ignorando que as empresas substituem mão-de-obra, exploram os jovens ensinando pouco ou nada, prorrogando sua formação criminosamente e desempregando pais de família.

Acreditamos na informática e em "sistemas" de toda ordem, olvidando que inputs ruins não podem gerar dados confiáveis. Adotamos as máquinas - e elas nos mutilam.

Confiamos nos capitães, assim como confiamos nos armadores e nas empresas que comercializam e operam cruzeiros marítimos. Mas terminamos o passeio doentes, contratando advogados ou mortos.

Confiamos tanto que damos o nosso voto a parlamentares que não nos prestam satisfação de seus atos – mas voltarão daqui a 4 anos para pedir-nos de novo. E, de novo, daremos.

Reclamamos dos governantes, mas gostamos quando o deputado ou vereador nos presenteia com uma quadra esportiva, um "centro comunitário" ou uma pracinha em nosso bairro. Aparecem-relâmpagos e batemos palmas para eles.

Resta-nos confiar em Deus – um que criamos para nos ouvir baixinho, toda noite – e estudar, muito aprender, muito honestamente trabalhar e tentar levar a vida longe das marquises, longe dos políticos, longe dos templos, longe das TVs e dos restaurantes que as ostentam pelas paredes, às dúzias. Longe do luxo – e do lixo – das grandes cidades e longe dos SUVs que além de matar, esmagam. Longe dos ônibus montados sobre chassis de caminhão - como os do Rio. Longe de trens, barcas, bondes e metrôs, como os do Rio, que abusam da boa vontade da população – que tudo financia.

Hoje ouvi Mutantes e lembrei Zé Rodrix. Figuras que não existiriam se prevalecesse, em seu tempo, a sanha atual de curtir arte sem pagar. Que bom que tenho meus discos, meus livros...
>

Nenhum comentário: