quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Descoberta a pólvora!

Leio na manchete de primeira página do jornal O Globo que "empresas têm ganhos em excesso com especulação. 80 grandes companhias obtêm mais da metade do lucro em operações financeiras". Quanta novidade! Pergunto-me se a manchete é admirada para corroborar a cobertura da crise atual ou se é pela sua "novidade".

Notícias - que em inglês diz-se news - devem informar o leitor. Colocá-lo a par do que de novo acontece.

A teoria de informação ensina que quanto mais previsível um dado, menos informação ele carrega. Ou seja, a medida da informação é proporcional ao quantum de inaudito que o dado traz. E, convenhamos, as empresas passarem a preocupar-se tanto ou mais com a rentabilização de seu caixa do que com suas operações é, há muito tempo, do conhecimento - parafraseando Mino Carta - até do mundo mineral.

Um museu de grandes novidades

Na século passado era piada corrente que a General Motors seria um banco que, por "teimosia" continuava produzindo carros. Financiamentos a "taxa zero" de juros refletiam o poder dos bancos da indústria automobilística. O ganho para além dos custos e margens estaria embutido nos preços finais financiáveis. Vale mais a pena ter dinheiro para alavancar que produzir mais carros e vendê-los mais barato. Tais bancos de montadoras são, agora, candidatíssimos ao pacote bilionário de ajuda federal estadunidense.

Será que não é chegada a hora de rever o capitalismo?


Essa pergunta, antes insólita, vem ocupando as páginas, não dos tablóides dos partidos comunistas all over the world mas dos diários mais cotados do mercado, tais como "Financial Times" e "The Wall Street Journal".

Em algum momento do século XX, entre Bretton Woods - o tratado do pós-guerra que ordenou a finança internacional - e a exuberância irracional alcunhada por Alan Greenspan, o capitalismo enlouqueceu. Perdeu-se o referencial da economia real. Passamos de um capitalismo de negócios para um capitalismo financeiro quase sem perceber. Bem, sem percebermos nós, humildes mortais. Agências de classificação de risco, FMI, Banco Mundial e que tais, já há muito sabiam da super-bolha que agora vem explodindo na cara de todo o mundo.

Fornido na Basiléia, o último acordo inter-bancário preconiza uma alavancagem (o quanto um banco obtém de recursos com base em seu patrimônio líquido) "saudável" de até oito vezes (isto mesmo; 8 vezes). Trocando em miúdos: se um banco recebe de mim a quantia de um milhão para aplicar por um ano, pode empenhá-lo, neste período, valendo-se de operações complexas de securitização e mercado futuro, oito vezes.

É claro que a administração fiduciária do banco planeja prazos de entrada e saída de recursos de milhares de clientes, bem como uma gestão de carteiras de investimentos e alta taxa de spread (a diferença entre as taxas que o banco cobra de quem toma emprestado e paga a quem poupa) que permitem a ele uma liquidez e uma solvência ao longo do tempo - isso, óbvio, se toda a cadeia de compromissos (hipotecas, empréstimos, garantias de arrendamentos mercantis além de financiamentos diversos) for honrada.

O que acontece se não for? O que ocorre se resolvo resgatar meu milhãozinho antes do prazo, na boca do caixa, mesmo sendo-me imputada uma perda pela antecipação? Quebradeira geral. E é exatamente isto o que está acontecendo agora. E que aconteceu em 1929 - só que com uma "gigantesca" diferença. Agora os Estados estão socorrendo os bancos. E por que? Por que os Estados nacionais beneficiaram-se indiretamente da ciranda financeira e agora, para não cair em desgraça, estão colocando recursos - os nossos, pois que oriundos de impostos - na roda da "infortuna" que não para de cobrar o pedágio do efeito manada tão característico das bolsas-cassino em que se transformaram os mercados depois que apareceu o tal do "mercado futuro" (não aquele antigo, das commodities), mas aquele das apostas cambiais e dos debêntures a perder de vista...

Uma última "informação". Novidade mesmo: o Lehman Brothers, um dos poucos que faliram de verdade (porque a maioria está pendurada nos PROER da vida), ultrapassou em muito o tal limite razoável de alavancagem. Multiplicou-o por quatro. Chegou a apostar 32 vezes contra uma de patrimônio real, daqueles que se pode pegar com a mão. Aceita-se palpites quanto à profundidade do poço ou quando os mercados pararão de exigir o pobre dinheirinho dos contribuintes.

2 comentários:

Michelle Kaplan disse...

Poxa, Manuel. Você precisa divulgar mais o seu BLOG. Seus textos são tão bons, tão bem elaborados que é triste ver a sua página sem nenhum comentário. Vou ler sempre! =)
Bjos

Manoel Marcondes Neto disse...

Michelle,
Agradeço seu comentário e comento-o fazendo uma reflexão sobre o desafio dessa era cibernética, na qual tudo comunica nada e irrelevâncias ganham relevo "do nada".
Como, além de produzir conteúdo, podemos chegar a quem realmente (nos) interessa? Esta questão é a pedra angular que vem transferindo o poder do emissor e dos meios para o receptor, inexoravelmente.
M. Marcondes Neto.