domingo, 19 de agosto de 2007

Não é brinquedo não!

Agosto, sempre referido como mês das bruxas, trouxe de presente mais um negócio da China. Mas dessa vez não era uma das cantilenas que a mídia internacional reverbera para ver se a gente - e ela própria - acredita, tais como "a locomotiva do progresso", "superpotência do século XXI", "salvação dos exportadores de commodities", entre outras pérolas. Tratava-se de uma das maiores operações de recall de que se tem notícia.

Recall (procuncia-se ricóu) - é um chamamento público feito por organizações e que se refere, na grande maioria das vezes - à constatação, antes ou depois de denúncia, de que algum defeito de fabricação em seus produtos pode levar risco não previsto a seus consumidores/usuários.

Vale para automóveis, carne congelada, medicamentos, refrigerante, computadores. Há casos recentes de carros que incendeiam, filés que matam, refrigerantes que adoecem, remédios que não curam e computadores que explodem. E, como sói fazer a globalização, afetam consumidores no mundo todo.

Uma coisa é uma coisa. Outra coisa é outra coisa

Uma coisa é um incidente fabril. Algo razoavelmente fácil de ocorrer e de detectar. Outra coisa é a prática da sabotagem. Algo bem mais raro e difícil de se descobrir antes que algum mal ocorra. Outríssima coisa é, no entanto, quando a hipocrisia de pessoas, empresas e mesmo de nações, atinge cidadãos indefesos, sem que tribunais ou quaisquer outros tipos de organismo possam protegê-los a tempo.

É de se perguntar até quando a boa fé da humanidade suportará casos fatais que surgem na esteira do "livre" comércio e sob a égide do "equacionamento de custos para manutenção de preços competitivos".

O filme intitulado "Disclosure", que teve o título (mal) vertido para "Assédio Sexual" no Brasil, trata, muito antes de assédio, de contratos de grandes empresas ocidentais com obscuros fabricantes terceirizados do último mundo (Vietnam, Camboja), justamente pelo fato de que esses países não "atrapalham" o empreendedorismo com "questiúnculas", tais como preocupação com fontes sustentáveis de matérias-primas, respeito à saúde do trabalhador, remuneração digna, direitos trabalhistas, ergonomia, ambiente fabril asséptico etc. etc. etc. E que pagam 28 centavos de dólar por hora de trabalho - um recorde mundial. Imbatível.

Se conhecêssemos as instalações e as criaturas escravizadas que manufaturam nossos impactantes tênis de jogging, tenho certeza, nunca mais daríamos um tostão às gigantes do material esportivo que torram bilhões negociando o patrocínio de competições internacionais.

Quem já visitou uma fábrica de conservas em uma das cidades-jóias do oriente ou pediu para ir ao banheiro em um restaurante daquelas bandas sabe do que se trata. A tragédia da gripe aviária descortinou um pouco desse lado oriental que pouco recomenda: gente, porcos e aves habitando o mesmo cômodo numa palafita que não põe defeito na (tão nossa) civilização do mangue, cantada por Chico Science.

Pois bem. E não é que o Brasil declarou que considera a China uma economia de mercado? Sim. E por que? Para, atendendo a essa chantagem, ter mais mercado para exportação.

Mas e o que importa?

Brinquedos pintados com chumbo e imãs que descolam aqui para colar em algum estômago ali ou em um intestino acolá. Quem vai saber? Ainda mais se foi comprado, sem nota, na loja por $1,99...

Já há alguns anos surgia a denúncia de que, por falta de legislação sanitária, os fabricantes de brinquedos chineses adquiriam plástico reciclado que incluía restos de material hospitalar...

Globalização assim, ninguém merece!

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